beleza bruta em o sonho, que é muito mais bonito que o fascínio oculto — volum. 03

Camila Naomi
3 min readMay 1, 2023

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Quando não escrevo, sou o que escrevo. A imagem de mim reverencio, a imagem de mim que crio para mim, e principalmente aos demais, que fora de mim podem reafirmar aquilo que creio sem verdadeiramente crer. Se assim fosse, a voz de todos os outros seriam apenas uma brisa rouca e vagante. Crio-me de mim tantas faces, que por ora sou, mas ora não sou nenhuma e ora não sou Nada. Passo a ser tanto nenhuma delas que começo a ser apenas um Nada caricato aprisionado em meu rosto tão sutil e tão indócil, nômade de si mesmo. Dou-me o esforço necessário para apesar de, apesar do afastamento, apesar do intervalo, apesar de não ter palavras para desejar, mas apesar de desejar imensamente, cair no pensamento frouxo de meditar desta beleza o conjunto todo da obra. O todo que justifica o único. Quando teus olhos distraídos olham a unidade de mim, me despercebem no ato afobado de logo crer para supor que não sabes nada. O fragmento de mim é uma partícula infinita de um indizível Nada — e são tantos. Juntando-me se assustará e ainda decidirá ficar. Juntando-me reconhecerá que se monta um monstro. Um enfadonho desconhecido de vida, com pelos enormes até as raízes, o assustará pelo horror de assustar, pelo horror de que se assuste, pelo orgulho do horror e pelo medo que de fato decidas partir com todo este terror. A arte com a qual me divirto é compreender que do pavor só temo eu mesma, para todos os outros, os galhos da árvore amaldiçoada que cresci têm o balancear sensual da Vênus, de mãe sem ser mãe, do perfume da meia-noite e da despedida que nunca termina. Para todos os outros, ainda renasce o desejo comum e solitário de mordiscar um pedacinho da minha face, mastigar-me aos poucos, para dentro, empurrar-me ao fundo de tudo, às entranhas, converter-me na parte visceral. Apenas assim, e somente assim, eternizar-me de fato e de grandeza. Na barbaridade de um alimento, poderia incansavelmente tornar-me necessária, imprescindível, apesar de todo o peso dos edifícios que sustentam em mim tantos rostos e tantas mentiras. Isto me assusta, me acanha e me excita profundamente. Por obstruir e vantajar de mim todos os instrumentos para fascinar até o mais morto. Não o faço por desprezo ao amor e é insultuoso o pensamento de capricho, pois sei que é mais, há mais, e deste mais, desta sobra que desliza para fora do cristal ereto e frio da vida, reconheço, entre meus balanços, a predestinação de ser a rebeldia da paixão. Cansada e ignorada, a desventurada paixão usa-me de marionete, de braços moles e caídos, o meu rastejo é a sua ordem, então, ponho-me de pé para dançar a sua melodia do cansaço, para que de suas vontades, magias e maldições eu me culmine em um lapso lascivo de metamorfosear-me em pulsão inacabável, ilimitada e irreverente. Ser a eterna figura de uma tão somente tentação. Apenas sonhar com a tentação, pois a paixão em si é um longínquo desejar, desejar sem ter é um quarto vazio em festa, treme o chão de pés que não chegam a encostar a superfície, mas que, apesar de, estremece em uma êxtase tão verdadeira que de sua imaterialidade formigam os cadáveres enterrados aos pés, nas covas de cada um. Talvez seja este o destino da tentação — o despertar. O esticar das extremidades, na altivez de alcançar o sonho, que é muito mais bonito que o fascínio oculto, o baú esquecido dos desejos menosprezados — quero os teus para mim, quero que sejam os bonequinhos de plástico no meu Universo de diversão, me disponho em ser a realização concreta dentro do sonho das tuas tentações mais metafísicas, ser finalmente o fundo e o fim, o todo e o infinito, o teu, por fim, desejo espiritual.

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